sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Pasta de Dente: tecnologia versus estoque de conhecimento.

Por Mateus Martins, estudante de Relações Públicas da UFRGS


Vi há um tempinho um vídeo com o título Pasta de Dente. O vídeo é trecho de uma palestra de Mario Sérgio Cortella, que conta um caso verídico ocorrido em uma estupenda multinacional que fábrica de tudo desde sorvete, a suco e pasta de dente. No caso contado, é possível perceber a relação da tecnologia versus o estoque de conhecimento e que às vezes aquela pode até mesmo ser substituída por este. Ou seja, a substituição por idéias de pessoas que estão ali vivenciando algum problema e buscam meios entre elas mesmas para solucionar algo, sem precisar investir muito em algum tipo de maquinário. Alguém que já passou por isso, no estágio ou no emprego, se identifica?

Pois me interessei pelo assunto fundamentado em algumas dúvidas de como o estoque de conhecimento pode afetar na nossa atuação profissional e no cenário empresarial, tais como: como ele se manifesta na vida e no trabalho cotidiano? como identificar e valorizar este capital intelectual? que questões culturais e comportamentais básicas devemos abordar para fazer uso dele no ambiente organizacional? como o uso das tecnologias implicam no trabalho do conhecimento?

E aí fui pesquisar sobre o assunto, e descobri o livro Como as organizações gerenciam o seu capital intelectual - Métodos e aplicações práticas de Thomas Davenport e Laurence Prusak (uma edição de 2003). Confesso que ainda não o li todo, mas já aproveito para citar algumas partes interessantíssimas, como a frase que o presidente da Hewlett-Packard (HP), Lew Platt, disse certa vez: Se a HP soubesse o que a HP sabe, nossa rentabilidade seria três vezes maior.

Pois vejamos, uma empresa nada mais é do que um conjunto de pessoas organizadas para produzir algo (produtos, serviços, ou ambos) e a capacidade de produção da empresa depende daquilo que ela sabe (do que as pessoas sabem) e do conhecimento aplicados nas rotinas de produção e atuação. Não é? Então, essa empresa só logrará êxito se as pessoas souberem o que estão fazendo, ou seja, demonstrarem competência em suas ações. Logo se é este saber fazer que define o que a empresa é (ou faz), então o estoque de conhecimento realmente simboliza a empresa num sentido importante.

Por isso este termo me intriga e por isso também é importante entender o papel do estoque de conhecimento nas organizações, principalmente para entender como algumas empresas são sistematicamente bem-sucedidas. Pois quando pessoas, tecnologias, produto, processos e ambiente de negócios mudam no decorrer do tempo, o que permanece? O que cria a continuidade que possibilita a determinadas empresas prosperar no decorrer do tempo? Acredita-se fortemente que a maneira, e o livro aponta este caminho, como as empresas produzem e transmitem o conhecimento é parte essencial dessa continuidade.

Em casos de empresas familiares o estoque pode estar todo concentrado no conhecimento do fundador da empresa. Em outras, pode ser que o estoque esteja na aplicação do conhecimento no processo de preparação e sucessão das lideranças. E neste contexto, os autores são categóricos: Temos certeza de que futuros estudos sobre conhecimento organizacional darão uma contribuição importante ao entendimento das fontes do sucesso duradouro.

E o que nós RPs temos a ver com isso? Creio que um pouco sim, pois tornou-se evidente para nós a necessidade de estudar como o conhecimento é gerido, mal gerido e não gerido nas organizações. E o livro aponta alguns caminhos, partindo do raciocínio em que o conhecimento deriva da informação, da mesma forma que a informação deriva de dados (transformação de dados em informação e informação em conhecimento). Nesta transformação todo trabalho é realizado pelas pessoas e é possível relacionar estas variações a partir da análise de quatro termos, classificado pelos autores, que começam com C, os 4 Cs:

Comparação: de que forma as informações relativas a esta situação se comparam a outras situações conhecidas?

Conseqüências: que implicações estas informações trazem para as decisões tomadas?

Conexões: quais as relações do novo conhecimento com o conhecimento já acumulado?

Conversação: o que as outras pessoas pensam desta informação?

Bom, para poder relacionar é preciso entender quais são os fatores que propulsionam a formação deste estoque de conhecimento nas organizações. Segue alguns pontos, segundo Thomas Davenport e Laurence Prusak, dos componentes básicos que colaboram nesta produção:

Experiência: O conhecimento se desenvolve ao longo do tempo através da experiência, que abrange aquilo que absorvemos de cursos, livros, mentores, aprendizados, vivências. Quando empresas contratam especialistas, elas estão contratando insights baseados na experiência, citação do livro.

Verdade Fundamental: A experiência transforma as idéias sobre o que deve acontecer em conhecimento daquilo que efetivamente acontece. Verdade de raiz, para tomar de empréstimo a expressão que o Center for Army Lessons Learned (CALL) do Exército dos Estados Unidos usa para descrever as verdades radicais de situações reais experimentadas in loco: firmes no solo, e não soltas nas alturas da teoria ou generalização, citação do livro.

Complexidade: A importância da experiência e da verdade fundamental no conhecimento é indicar a capacidade do conhecimento de lidar com a complexidade. Embora seja tentador buscar respostas simples para problemas complexos e lidar com incertezas fingindo que elas não existem, geralmente se decide melhor sabendo mais que sabendo menos, ainda que o 'menos' possa parecer mais claro e mais definido, citação do livro.

Normas Práticas: O conhecimento é entregue em meios estruturados, como livros e documentos e também de contatos pessoa a pessoa, como simples conversas ou relações de aprendizados. Títulos ou posições são os sinais formais mais comuns de quem tem ou deveria ter conhecimentos valiosos...[contudo] é possível que os melhores sinais do mercado do conhecimento - embora ainda periféricos - fluam pelas redes informais que se desenvolvem nas organizações. Dentro dessas redes, as pessoas perguntam umas às outras quem conhece o quê., citação do livro.

Este post, como pode ser percebido, não apresenta respostas e sim algumas indagações fundamentadas no estudo teórico e prático sobre este tema tão intrigante como é o estoque de conhecimento. Espero que algumas respostas ou algumas opiniões nos comentários, que já devem até ter sido vivenciadas na prática por cada um de nós, possam esclarecer sobre o assunto. Ah, o vídeo Pasta de Dente de Mario Sérgio Cortella:

11 comentários:

Tribo RP 10 de outubro de 2009 às 13:42  

Oi Mateus,

tema muito interessante para pensar e discutir. Parabéns!

Priscila
triborp

Felipe 10 de outubro de 2009 às 16:34  

A solução dos funcionários na linha de produção foi genial! Hehehe!

Essa história me lembrou uma coisa que li num livro sobre Publicidade e Marketing (Bang - Uma explosão de Publicidade e Marketing), que "critica" pessoas que trabalham na área e não conseguem ver as soluções simples e sim ficam presas a idéias mirabolantes.

Os dois engenheiros, creio que a primeira coisa que pensaram foi numa máquina. Que era a única solução. Não devem ter chegado nos funcionários e discutido com eles o que pensavam a respeito do problema (as caixas vazias) e como solucionariam isso. Se prenderam na idéia maior e grandiosa.

O que me remete a uma aula que tive sobre Desenvolvimento de Pessoas, que mudanças impostas de cima pra baixo na hierarquia, sem dar tempo pras pessoas assimilarem tendem a não dar certo. Resolveram mudar a produção com uma máquina nova mas não chegaram antes aos funcionários que, viram o trabalho ficar mais penoso e lento e buscaram uma outra solução.

Saindo da questão do vídeo. Um dos maiores erros que as empresas cometem, é achar que dando algum tipo de curso para certos funcionários a organização estará aprendendo. O que não é verdade. Como diz bem o texto, a organização só irá "aprender" e passar esse conhecimento ao longo do tempo, se for disseminado por toda ela.

Felipe
(esporte-marketing)

A Bordo da Comunicação 10 de outubro de 2009 às 19:48  

Ai que legal esse vídeo. Engenheiro para que?
Essa a importância de ouvir e de se relacionar com o funcionário, as coisas podem ser bem mais fácil do que imaginamos.

Abraços,
Cibele

Ocappuccino.com 11 de outubro de 2009 às 14:39  

É para pensar mesmo Priscila. E pensar como podemos agir para impulsionar a utilização deste estoque de conhecimento muitas vezes 'esquecido nas empresas'.

Felipe, teus comentários são sempre quase outro post de tão completos, pois além de opinar, ainda traz novas fontes de pesquisas para a discussão. E concordo, o estoque de conhecimento não é aprendido só em curso ou vertical (de baixo para cima) e sim na convivência e na percepção diária dos processos, como citou sobre o livro que "critica" pessoas que trabalham na área e não conseguem ver as soluções simples e sim ficam presas a idéias mirabolantes. Eu sempre uso uma frase: 'gênio é aquele que viu o óbvio primeiro'. Não sei se ouvi de alguém ou eu mesmo bolei hehehe. Mas é isso mesmo, todos querem inventar a roda e esquecem que algumas soluções são tão simples que parecem obvias.

E Belle, vamos acabar com os cursos de engenharia? hehehehe Vamos organizar um levante hehehehe

Abraços,
MATEUS

Unknown 11 de outubro de 2009 às 17:51  

Já li o livro do Thomas Davenport e Laurence Prusak. É muito bom mesmo, e essa frase do presidente da HP diz muita coisa.

Mauro Segura 12 de outubro de 2009 às 20:55  

Mateus.
Muito bom seu post. Eu usei esse excelente vídeo da "Pasta de Dente" na minha palestra no Digital Age em setembro passado. Pensei até em publicar um post sobre ele mas o tempo foi passando, passando, passando... Meu objetivo foi mostrar que existe um conhecimento imenso distribuído dentro das empresas, na cabeça dos empregados, que é negligenciado. Quem acompanha o meu blog sabe que eu adoro esse tema. Quero dar aqui uma sugestão de um livro que gosto muito, foi escrito há mais de 10 anos mas continua muito atual. Chama-se "Capital Intelectual", o autor é Thomas A. Stewart, publicado pela editora Campus. Vale ler, ele fala muito sobre gestão do conhecimento dentro das empresas. Abraços. Mauro Segura.

Fabio Procópio 13 de outubro de 2009 às 19:23  

É a famosa dialética conhecimento x práxis...Muito importante ser discutido isso no âmbito empresarial, pelo fato de entrar no jogo o dinheiro, ao mesmo tempo em que a critividade e o conhecimento in loco traz idéias revolucionárias, criativas e baratas (como um ventilador)...O conhecimento não deve ser descartado, pelo contrário, deve haver estímulo e deve ser regado !

Mano Delazeri 14 de outubro de 2009 às 00:27  

existe muita informação em todos os níveis de uma empresa, o desafio e transformar elas em conhecimento e fazer elas circularem pela empresa

Eduardo Alves 20 de outubro de 2009 às 23:59  

Oi Mateus.
Acho que o RP, acima de tudo, tem que adquirir conhecimento sobre diferentes áreas e aspectos da sociedade. Ele tem que ser capaz de fazer a leitura do cenário externo para a empresa e do interno para a sociedade. O RP é o elo entre as partes. Acredito que só assim ele vai manter uma visão "limpa" dos dois universos - sociedade e empresa - para trazer coisas novas e acrescentar em todo esse processo intelectual e gestão do capital humano.

guilhermo benitez 26 de outubro de 2009 às 12:21  

Mateus,

Cheguei tarde ao teu texto mas valeu a pena. Ótimo. Vale a leitura da matéria de capa da Época Negócios deste mês, sobre a influência da neurologia na economia. Em determinado ponto, um dos entrevistados comenta que nenhuma grande empresa conhecida registra as decisões de seus executivos. O entrevistado queria estes dados para cruzá-los e aprender, com este "estoque de conhecimento", quanto se erra, quanto se acerta e alguns porquês. O melhor é o provável motivo de nenhuma empresa registrar estas informações: os executivos não querem documentar seus erros.

Anônimo 14 de junho de 2013 às 10:46  

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